domingo, 27 de novembro de 2011

A VARA AMADA - I

“Dentro das Regras, nossas próprias regras.”

(Maoli)


Tenho falado pouco do trabalho em cartório, apesar de ser o título deste espaço de publicação de textos. Falei do cartório em “Pássaros que latem” (o cão foi baseado neste que vos fala, os pássaros que aprenderam a latir foram baseados na primeira geração de minha equipe e a mãe-natureza é Deus, com seus planos ordenados em situações, apenas aparentemente, caóticas). Falei do cartório também em “Tatuagens e outras marcas que ficam” (a última tatuagem foi um problema de trabalho superado de modo tão natural que chega a ser estranho), e no fim de “Lembranças do futuro do pretérito” (foi um texto sobre um futuro próximo ao calcular o tal problema no cartório que gerou a última tatuagem). Mas além de ter falado pouco, falei por meio de analogias que só são passíveis de entendimento por mim e por quem fez parte das histórias em meu ambiente de trabalho. Agora pretendo dedicar um espaço próprio para falar com certa freqüência sobre a escrivania judicial (o cartório de uma das Varas de Assistência de Goiânia) à qual tenho me dedicado de corpo e alma, literalmente. Mas porque essa dedicação?

Descobri que escrever me faz bem quando eu ainda estudava em uma escolinha chamada Gente Importante. Deveria ser obrigatório escolas infantis terem nomes idiotas. Para uma criança, isso é muito legal! “Gente Importante”. Com a chegada da fase adulta, os textos de minha autoria foram diminuindo na mesma proporção que o brilho em meus olhos. Parecia uma perda de tempo, já que eu poderia estar estudando, ou fazendo algo que “gente importante” faz. Publicar livros depende da elaboração de um trabalho excelente e contatos. Nunca considerei algum texto meu excelente, e nunca tive contatos, então, criei este espaço para publicação na internet, o qual ficou parado por um ano. Aos poucos, as experiências passadas em uma certa escrivania judicial do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, foram renovando minha necessidade de alinhar pensamentos e sentir paz interior. Assim renasceu a necessidade de expressar o que penso e sinto através de palavras escritas. O que quero dizer é que o trabalho no cartório me inspira e foram as experiências vividas nesse ambiente de sentimentos e sensações diversas que me devolveram a vontade de escrever. O título correto deste blog seria: “é porque trabalho em cartório que sou escritor”.

Todos já ouviram a frase açucarada: “Trabalhe com o que você gosta de fazer e nunca terá que trabalhar”. Essa é uma das maiores baboseiras passadas de boca-a-boca através das gerações. Você pode fazer o que ama, porém se tiver responsabilidades, metas, prazos e qualquer forma de pressão, é trabalho. Por isso jogar bola profissionalmente é trabalho, o qual dizem, cansativo e desgastante (com remuneração absurda, mas é). Talvez o pensamento correto seja mais algo como “trabalhe com o que você gosta de fazer e irá se sentir satisfeito mesmo com todo o cansaço”. Trabalhar em uma escrivania de assistência judiciária é algo muito cansativo, porém, extremamente prazeroso, vez que amo o que eu faço.

Não, não... Meu amor é pelo Direito. Pelo cartório, tenho paixão.

Como todo objeto de paixão, o cartório me deixa angustiado e empolgado; ameniza o tédio que sinto constantemente; me força a amadurecer como pessoa ; me faz chorar; me faz sorrir; me faz perder o sono. O trabalho no fórum me faz dormir o sono dos anjos, como vovó já dizia.

Pensando bem, talvez minha relação com o cartório não seja apenas paixão. Creio que seja amor. Só o amor justifica tudo o que passamos juntos.

E o que mais gosto do trabalho no cartório: toda semana tem uma história para contar. E eu vou contar!

Bruno da 6ª

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

SUA MÃE VAI MORRER

ENSAIO SOBRE O PESSIMISMO-POSITIVO


Muito se fala sobre a busca da felicidade e o pensamento positivo como o segredo do universo. O que não contam é que essa busca resulta sempre em frustração, vez que expectativas exageradas levam a decepções e mágoas. Entendemos ser a chamada felicidade nada mais do que os raros momentos que Deus nos permite entre uma desgraça e outra em nossas vidas. A busca que todos têm como necessidade vital não deve ser por uma felicidade abstrata. Deve ser, sim, a busca por uma sensação de paz através de uma vida harmoniosa e tranqüila, eliminando a tristeza após a difícil tarefa de enxergar o mundo sem o colorido da fantasia. Sem esse trabalho de nova visão das coisas, torna-se comum confundir felicidade com empolgação. A falsa felicidade nessas situações é passageira e dependente de situações de conquista. Verdadeiramente feliz é aquele que sabe dos males e mazelas do mundo e ainda consegue se levantar para lutar. Defendemos aqui a tese do saudável pessimismo, chamado doravante de pessimismo-positivo.

Viver o pessimismo-positivo nada mais é que abrir mão da ilusão de vida segura e distante do caos que nos é imposta pela sociedade (devido a necessidade do ser humano de tornar a arte de lidar com as situações do cotidiano um pouco mais simples), aceitando, dessa forma, o lado menos prepotente das coisas. Significa ver o mundo de um modo mais realista, mais cru e, por vezes, mais cruel. O que não deve ser confundido com tristeza. Trata-se apenas de limpar o terreno (mente e alma) para que sentimentos puros, e até mesmo a tal felicidade, possam surgir naturalmente.

Abraça a idéia do pessimismo-positivo quem compreende que ter a auto-estima destruída em alguma fase da vida, uma pitada de depressão relativamente superada e dúvidas sobre seu valor e seu lugar no mundo são fatores essenciais para a construção da personalidade. Entender isso é mais difícil para os mais novos, pois as atuais regras de convivência e necessidade de projeção de suas vidas em redes sociais, aparentemente resultaram em uma verdadeira imbecialização de toda uma geração. Pessoas nascidas nos anos noventa (principalmente e, por isso, aqui usadas como exemplo) formam uma geração perdida, salvo, é claro, raríssimas exceções. Exceções essas que experimentaram ter sua auto-estima destruída em alguma fase da vida, uma pitada de depressão relativamente superada e dúvidas sobre seu valor e lugar no mundo, o que nos parece ser a verdadeira fórmula do despertar.

É de conhecimento comum que pessoas que sofreram alguma experiência dolorosa e superaram a dor, conseguindo seguir em frente, enxergam o mundo com olhar mais maduro (claro que algumas, mesmo sofrendo, continuam presas à ilusão). Não é necessário sofrer se você conseguir ter empatia o suficiente para sentir a dor de outra pessoa e assim se desenvolver a ponto de despertar para o mundo cru. Após o despertar, começa a busca pela paz, e consequentemente, o encontro da felicidade.

Para esclarecer melhor a idéia de empatia de dor, analisemos sua vida de trás para frente, começando pelo fim e concluindo no tempo presente. Que tal essa sugestão de seqüência decrescente provável de fases de sua vida? Você vai morrer! Sim, você vai... Sinto muito! Agora como será sua morte? Será que vai doer? A dor lacerante no peito. Talvez seja como um desmaio: Sentirá falta de forças... Apenas vontade de dormir em horário que não o de costume. A cabeça batendo na pia do banheiro. Algo menos agradável de ser lembrado no paraíso: a cabeça no vaso sanitário enquanto se limpava. Um mal súbito pós-defecação parece até um gracejo divino, mas vai que acontece. O objetivo do ensaio é auxiliar a traçar planos e ajudar a moldar a postura com a qual você irá seguir seu caminho. Deixo claro: ESTE TEXTO NÃO TEM O OBJETIVO DE INDUZIR AO SUICÍDIO. Deixe para morrer de causas naturais. Vai que com o tempo você percebe que não é completamente inútil. Claro que o mais provável é que você seja, afinal, sua grande preocupação é conseguir um emprego legal para comprar coisas (muitas) das quais não necessita, pagar contas apenas para sobreviver com um mínimo de dignidade e comer. Comer, dormir, talvez se exibir e defecar são as razões da sua vida.

Como fica combinado que ninguém aqui vai planejar a própria morte, vamos seguir para outra constatação: você verá sua mãe morta! Meus pêsames. Talvez você morra primeiro, ou morram juntos em um acidente de carro, mas a primeira alternativa é a mais provável. Quando ela falecer, lembranças de anos passados irão se aflorar e fazer com que perceba que brigar por ela não ter feito a comida que pediu, ou por algum problema familiar patético, ou porque não deixou você dormir fora só porque ela sabia que você ia passar a noite transando com algum idiota, acaba perdendo um pouco o sentido, não acha? É muito bonito e deprimente (vez que algo estúpido), ver familiares se aproximar na hora da dor, pedir perdão e se lamentar por não terem aproveitado mais. A dor virá. Dor é a regra. Não serei piegas e falarei algo como “abrace papai e mamãe e diga eu amo vocês enquanto pode”. Só não queira se sentir leve falando coisas bonitas e juras de amor além da vida para sua mãe quando ela já estiver no leito de um hospital, sem consciência, com uma sonda de alimentos atravessando sua barriga. Torne-se um bom filho agora, ou seja mau até o fim. Você vai sofrer por ver sua mãe sentir dor e não poderá fazer mais nada do que já está fazendo para ajudá-la. Antes disso, você vai ter alguém. Você vai perder alguém... Se aceitar o desafio, você mesmo pode preencher as reticências.

Essa idéia aparentemente estranha tem se mostrado um verdadeiro mapa para quem está se sentindo perdido. A bússola se desenvolverá dentro de você com o tempo, não se preocupe.

Maoli


(SUA MÃE VAI MORRER - Capítulo II - O sorriso da alma)

Previsão de publicação: 01.12.2011