sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

SUA MÃE VAI MORRER (Interlúdio)

Era uma vez na U.T.I.
  • Uma crônica baseada, infelizmente, em fatos reais.

Entro e vou falar com a recepcionista:
_ Quando liberam a entrada para visitas?
_ Quinze horas. Eles organizam lá em cima e me avisam por telefone para que eu possa liberar vocês.
_ Então... Muito obrigado!
Resolvo me sentar em uma das cadeiras enquanto aguardo a hora indicada. Uma senhora de cabelo grisalho bem curto olha para mim aparentando curiosidade em saber quem é o motivo de eu estar ali ou qualquer outro assunto que sirva para iniciar uma conversa. Olho para a janela.
Após entrar, me viro para o lado e lá está a senhorinha fazendo massagem nos pés de um senhor inconsciente que ocupa o leito à esquerda:
_ E a moça que estava aqui ao lado? – perguntou à enfermeira.
_ Teve alta ontem à noite – respondeu e foi para o outro lado da sala.
Ela me olha como quem tem necessidade de fazer algo que auxilie alguém, qualquer coisa, mas a sensação de impotência a destrói por dentro. Resolvo ampará-la e a deixo me ajudar:
_ Isso faz bem? – pergunto “ingenuamente”.
Foi apenas isso que falei e seus olhos chorosos ganharam brilho:
_ É muito bom pra ele. Você segura assim e faz assim, ta vendo?
Se sentir útil parece acalmá-la.
Eu começo a massagem e ela consegue sorrir.
...

No outro dia, lá está ela fazendo massagem e olhando para mim:
_ Quem é o seu doente? Seu pai, seu avô?
Meu doente? Penso, mas não falo. Ela não precisa de um chato nessa fase triste de sua vida. Respondo e devolvo a pergunta:
_ E o seu doente?
_ Meu marido – diz passando a mão em seu rosto.
Talvez estivessem até brigados, mas a dor une as pessoas. Ela precisa se sentir útil para se sentir bem, e eu preciso analisar banalidades como se fossem coisas importantes, como minha válvula de escape.
...

Mais um dia e ela passa um líquido no rosto do doente dela. A princípio achei que era para hidratar, já que a pele do coitado estava ressecada, mas percebi que era água benta, ou consagrada, ou algo do tipo. Era fé. Meu doente acredita que passar ímã no corpo melhora a circulação e ameniza dores. Após anos rindo de tal crendice popular, estou aqui passando o imã sobre sua perna. Não questiono mais se faz sentido ou não. Ele acredita. É só o que importa no momento. É fé.
Nos encontramos na saída:
_ O que o médico disse sobre seu doente? – ela pergunta.
Ofereço carona, mas ela diz que está esperando alguém para buscá-la.
...

Ontem a senhorinha não estava lá fazendo a massagem ou passando água com fé. Uma criança ocupava o leito ao lado.
_ E o colega? – pergunto à enfermeira.
_ Faleceu hoje às seis e meia da manhã.
...

Hoje, na recepção, um rapaz entra e vai até a garota no balcão:
_ Quando liberam a entrada para visitas?
_ Quinze horas. Eles organizam lá em cima e me avisam por telefone para que eu possa liberar vocês.
_ Então... Muito obrigado!

E a vida segue.

Maoli

sábado, 24 de dezembro de 2011

A MINHA GORDURA LOCALIZADA

*"Reprodução" na íntegra de uma resposta a duas simples perguntas:

“O que mais me aflige, BC? Como? Qual pensamento vem à minha mente assim que ouço essa pergunta? A resposta é: a minha gordura localizada! Qual resolução de ano novo não cumprida me irrita constantemente? A resposta para sua pergunta é: essa bendita gordura localizada!

E o tanto de promessa que fiz? No fim do ano passado prometi a mim mesma que iria me preparar pra uma promoção ou um emprego melhor. Prometi que reformaria minha casa e que faria uma horta no quintal e um lindo jardim. Prometi que cuidaria mais pra ter um casamento feliz. Prometi que faria aquela dieta milagrosa especial e até o natal desse ano eu iria ao clube e desfilaria de biquíni me sentindo o máximo por ter perdido minha gordura localizada.

Um ano depois, é frustrante pensar que, por mais que eu tenha me preparado, não vejo perspectivas no trabalho; que por mais que eu e meu marido tenhamos tentado juntar dinheiro, minha casa está ainda pior; que por mais que eu tenha me dedicado, o meu casamento está assim... Acho que é desse tipo de pensamento que vem a famosa depressão de fim de ano. Dizem que muitos suicídios acontecem na época do natal, sabia? É triste! E onde fica a coitada da minha gordura perto de tudo isso? Não é porque minha gordura ainda está aqui que ela me aflige, mas porque ela me lembra de uma coisa muito importante: Eu!

Me dediquei tanto a atingir minhas “metas essenciais” e o escambau que não me lembrei do prazer de fazer uma caminhada olhando a natureza. Minha vida é tão corrida que não posso dedicar um tempinho, talvez menos de uma hora uns três dias da semana, pra mim? Não posso esquecer dos problemas e me permitir o prazer de ser fútil nem em um domingo e relaxar em um fim de semana do mês me bronzeando? Posso sim! Oras, mesmo com minha querida gordura localizada eu sou gostosa! Será que o espírito natalino está me fazendo ser boazinha comigo mesma? Pensa, como ter um feliz natal sem me esbaldar na ceia? Se estaremos comemorando o nascimento de Cristo lá em casa, eu me dou permissão para comer até bolo de aniversário! E um próspero ano novo passando o reveillon regulando comida? Eu preciso alimentar minha querida Úlcy (a úlcera mais bem tratada do mundo). Como alguém de dieta pode desejar “Boas Festas”? Se o Papai Noel pode ser gordinho, porque eu não posso ter uma gordurinha leve na cintura?

Toda vez que olho pra esse pneuzão saindo pela calça jeans eu me irrito. Não pela gordurinha. Isso é só um detalhe. Eu me irrito porque com minhas resoluções de ano novo eu criei barreiras, verdadeiras condições para ser feliz, e, sempre que vejo minha gordura localizada, me lembro do tempo que perdi enquanto podia ter vivido. Me lembro de negar convites para viagens com nossos amigos, por vergonha do meu corpo. Festas e churrascos... Me lembro de ter dormido frustrada porque a balança não acusa nenhuma evolução, mesmo com toda aquela salada. Quando olho pra minha gordura me lembro de ficar tensa quando ia tirar a roupa para meu marido em vez de ter orgulho do meu corpo, pois eu sei que sou gostosa! Me lembro de ir trabalhar chateada e sem ânimo por causa dessa luta inalcançável, o que, obviamente, fez diminuir meu rendimento. Como quero ser promovida se já chego ao trabalho estressada?

Me lembro de outros requisitos a serem alcançados para que eu pudesse ser feliz que coloquei na minha vida, como uma casa linda e o casamento perfeito. Minha casa é linda do jeito que está! É um lar! Precisa sim de reforma, mas é aconchegante e repleta de amor. E quanto ao casamento? Agora entendo que meu marido não tem que se transformar em outra pessoa para se tornar companheiro. Precisamos aceitar nossos defeitos, perdoar nossos erros e entender que somos, acima de tudo, amigos e parceiros que se uniram para, juntos, seguir o caminho da vida superando dificuldades. E se não der certo mesmo com toda essa compreensão, eu troco de marido, oras! Eu sou gostosa!

Vou viver mais em vez de fazer planos. Ser feliz e todas as outras conquistas será conseqüência!

Tenhamos todos um NATAL MUUUITO FELIZ e um ANO NOVO CHEIO DE SAÚDE E PROSPERIDADE!!!

Minha lista de resoluções para o ano novo: Vou desligar o celular e fazer caminhada alguns dias na semana. E minha gordura localizada irá comigo ao clube sempre que ela quiser, graças a Deus!”

· A autora suplicou para não ser identificada, pois representa todas as mulheres, e dependendo da interpretação representa a todos nós


Bruno Machado

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

A ESTRADA NOSTÁLGICA

(Para ouvir parte da trilha sonora que de certa forma “ilustra” o texto, aperte o play)


Ao chegar ao centro de uma casa de espelhos em um parque antigo, vários reflexos de diferentes formas mostram a verdadeira Luzia. Uma é alta e magra, outra é pequena e gordinha, outra é mediana e mediana e tantas outras que não se destacavam por motivos pessoais.

Ao enfiar o dedo no nariz e retirar uma formiga, sua cabeça finalmente parou de doer. Ela correu e correu e sua sombra não parava de segui-la. Olhou para trás e a encarou. A sombra, amedrontada, se escondeu no escuro e a deixou em paz.

Cansada, sentou-se na grama fria e ouviu um chamado: - psiu! – olhou de um lado a outro: - psiu! – olhou para trás e para frente: - psiu! – para baixo e para cima e achou o que procurava. Uma estrela estava chamando-a para a apresentação. A pequena Luzia, ansiosa, abraçou suas perninhas e logo começou o espetáculo. Ficou ali assistindo empolgada enquanto seus risinhos contagiantes se mesclavam a cantoria das estrelas.

Com ânimo renovado, ela aplaudiu dando pequenos pulos e agradeceu aos céus pelo cuidado.

Foi passear no bosque procurando sua formiga para terem uma conversa definitiva. Ela se deitou sobre as folhas secas e pediu desculpas. Aceitando-as, a formiga voltou e entrou em seu ouvido.

Sentindo-se plena novamente, ela andou até o lago, curiosa para descobrir quem ela poderia se tornar. Olhou com nostalgia a água gélida e cristalina e ao perceber que estava de volta, seu reflexo magro e alto sorriu. Luzia mergulhou porque queria tocar no fundo e quando subiu estava ensolarado e já era mulher.

A mulher chamada Luzia caminhou pela trilha do bosque e encontrou a estrada há tempos construída. Cansada pelos dias que virão, podia ver claramente o caminho que iria percorrer de onde estava até a linha do horizonte. Desde uma acentuada curva a esquerda até uma curva leve à direita e então sempre em frente. Durante o caminho, tendo o cuidado constante de se manter longe das calçadas, um único pensamento veio à sua mente: “Quando foi que tudo se tornou tão complicado?”.


Maoli