quarta-feira, 27 de março de 2013

A FANTÁSTICA TRANSA ENTRE O UNO E O VERSO (ou PORQUE EU ESCREVO)



No princípio era o Verbo e o Verbo estava junto de Deus e o Verbo era Deus. Tudo foi feito por ele e sem ele nada foi feito. Nele havia a vida e a vida era a luz dos homens. A luz resplandece nas trevas e as trevas não a compreenderam. (João, Capítulo I – Novo Testamento)

A caneta está bem ali. Ela fica assim, deitada, olhando para mim. Testando-me.

Pensamentos vêm à mente e então vou para onde ela está. Os pensamentos se esvaem e ela sorri. Essa danada sabe como me provocar.

Estou cansado, não quero nada com ela hoje e finjo que não a vejo. 

Mais ideias surgem. Vou atrás dela, mas ela não está mais lá. Não acredito que teve a ousadia de se esconder de mim. Novamente com esses joguinhos. Olho atrás de um livro e a encontro. Pego-a pela tampa e a jogo na mesa, como uma qualquer. 

Engraçadinha! Sabemos como isso irá terminar! Tentei ficar irritado com a brincadeira, mas ela é tão bonita. Que coisa mais linda!

Eu a pego com carinho. A posiciono sobre os dedos indicador e médio e pressiono suavemente com o polegar. Ela se deixa levar e se entrega. Começo a escrever vagarosamente as frases que já estão em minha mente. Aos poucos, o mundo ao redor começa a se apagar. Olho para ela, admirado, e vejo que naquele momento ela está longe de tudo também. Nada mais importa, além da nossa escrita.

Tiro a caneta das mãos por um momento e a repouso sobre a mesa. Ela está brilhando. Pego mais uma folha de papel e devolvo minha atenção a ela. 

Eu a seguro com força. A respiração fica mais profunda. Os dentes, cerrados. As ideias vão surgindo a cada batida do coração. Aos poucos minha mente fica cada vez mais em branco, enquanto o papel se preenche. As palavras saem das vísceras e vão para as pontas dos dedos e de lá para a caneta. Ela não hesita em demonstrar que está gostando. Movimenta-se com agilidade e a tinta flui mais do que naturalmente.

Palavras são entalhadas, uma a uma, e em mim não resta mais coisa alguma, além de um ponto final. 

Dou um beijo nela e calmamente recoloco sua tampa.

Sento-me ao lado e acendo um cigarro, satisfeito.

Ela se deita, aparentemente morta de cansaço, e depois olha docemente para mim.

Ao nosso lado, repousa magistralmente o registro de nossa relação tão intensa e necessária.

Amor e paixão pelo poder da palavra.


Maoli


sexta-feira, 8 de março de 2013

E, DE REPENTE, É SEXTA-FEIRA



Você acorda na manhã de segunda-feira já planejando chegar cedo ao trabalho para o serviço da semana adiantar. Problemas evitar. Do estresse se livrar.

A sua música passou.
A ração sobrou.
A cerveja gelou.
O telefone não tocou.
E, de repente, é sexta-feira.


É segunda-feira e você abre os olhos pensando em começar a praticar exercícios. Talvez uma leve caminhada. Dessa semana não passa. Diminuir a barriga. Começar a dieta. Andar de bicicleta.

A gata pariu.
A velha morreu.
O helicóptero caiu.
O livro que não leu.
E, de repente, é sexta-feira.


Seu despertador toca e é manhã de segunda-feira. Você acorda disposto. Essa semana será diferente. Você vai estudar. Para a entrevista de emprego se preparar.

A bolha estourou.
O sol nasceu.
A boca que se calou.
O carro que você bateu.
E, de repente, é sexta-feira.


Você nem dormiu direito pensando em tudo o que deixou para a última hora. É segunda-feira outra vez e você quer se organizar. Do lixo interno se livrar. A bagunça aí dentro arrumar.

A fumaça subiu.
O incenso acabou.
A dor de cabeça surgiu.
A música do Fantástico soou.
E, de repente, é sexta-feira.


Você sabe que é segunda-feira e está cansado de perceber que a vida passa e você não vê. Sem pressa você se levanta. Não quer nem pensar no que vai fazer. Abre a geladeira e a única preocupação é decidir o que comer. Saciar a lombriga. Dane-se a barriga.

O galo cantou. O câncer sumiu. A menstruação desceu. O beija-flor voltou. A Terra girou. O garoto sorriu. E, de repente, é bom dia. Olha o sol aí de novo.

É terça-feira, afinal!
A vida vem te buscar.
E você vai com ela de mãos dadas.
Um passo após o outro.
          Um dia de cada vez.
 



BC