quinta-feira, 4 de agosto de 2011

MANDRUVÁS ALADOS

“Venho do século passado e trago comigo todas as idades.” (Cora Coralina)

Aproveito-me da onda do politicamente correto para ter a liberdade de fazer uma analogia gay: Uma lagarta morre para que uma borboleta possa nascer? Ou será que uma borboleta só é tida como bonita porque, inseto mais maduro e experiente que é, chama a atenção de quem a vê para o colorido de seu corpo, fazendo com que ninguém olhe com zelo para a parte que não corresponde as asas, escondendo o fato de ser apenas uma lagarta nojenta que sabe voar? Bicho esperto. Aos 29 anos de idade completados, iniciando meu trigésimo ano de vida, surge a análise comum (vez que sou um coró comum), do que fiz da minha vida, de tudo que passei, dos planos não realizados cada vez mais distantes, do muito que já conquistei e apenas não percebi porque foi de forma tão natural que nem vi. A sensação de ser uma pessoa totalmente diferente de quem eu era há pouco tempo. Aquele pensamento idiota que passa na cabeça de todo mundo de vez em quando: “Se eu tivesse a mentalidade que tenho hoje naquela época... tudo teria sido diferente...”. Tudo teria sido diferente, inclusive eu hoje. Se eu me tornei quem sou, foi porque fiz do jeito que tinha que fazer. Faz sentido?

E o que eu fiz nesses 29 anos?

Nada mais chato que esses bebês-adultos. Crianças que falam como adultos sempre existiram e as que conheci e vi crescer se tornaram jovens adultos-idosos. Eu segui a linha contrária. Fui uma criança que sentia prazer em ser criança.

Andei de bicicleta, skate, patins. Aos 10 anos de idade, ia a boteco tomar baré (de biclicleta, skate ou patins) tirando onda de freqüentar ambientes toscos e “ser adulto” (tomar refrigerante que tinha o mesmo casco que cerveja era muito legal).

(ilustração para as crianças que não têm ideia do que estou falando)


Fui à banca de revistas comprar gibis, voltei lendo muito envolvido com a história e esqueci minha bicicleta lá. Fiz catequese. Pisei em macumba. Joguei bombinha no quintal da casa do padre Arraes (que Deus me perdoe). Pulei muro do colégio. Fui mordido por um cachorro enorme. Subi na torre do sino da Paróquia Imaculado Coração de Maria, quando estudava no Colégio Claretiano. Tudo culpa da tal macumba, já dizia a benzedeira que insistia para minha mãe que eu precisava de conserto.

Chorei quando cortaram os eucaliptos da curva do eucalipto (um dia contarei essa história).

Ficava sentado na calçada, ou na pracinha, conversando com os meninos da vizinhança todas as noites.

Aos 12 anos de idade, empolguei com Guns. Descobri o rock’n roll. Usei jaqueta preta, corrente com crucifixo enorme, anéis de caveira e deixei o cabelo ficar enrolado. Na minha cabeça eu era mau. Revendo fotos, eu era apenas um magrelinho nerd fazendo careta. Não importa a roupa. O estilo magrelinho-nerd sempre foi a parte determinante. Pegava emprestado livros de romance policial na biblioteca da praça cívica.

Chorei quando perdi cães que eu amava. Sempre nos apegamos aos animais, mas quando crescem com a gente é mais difícil separar as coisas.

Já fiz alguém sorrir.

Fui um adolescente que curtia budismo, até descobrir sobre bruxaria (e, claro, me empolgar). Apenas mais um menino patético empolgado com a onda new age da virada do milênio. Adolescentes têm direito de serem patéticos, não é? Estudei um pouco acerca de espiritismo, budismo, hinduismo, protestantismo, Santo Daime, wicca, seicho-no-ie, ateísmo, até perceber que tudo fala da mesma coisa, então, nada importa.

Já fiz alguém chorar.

Já vi disco voador.

Fiz pipoca e comecei a cantarolar a música do comercial de refrigerante. Fui um adolescente criticado por gostar de coisas de criança. Fui comprar refrigerante. Ainda nessa época entendi o poder da boa publicidade. Resolvi cursar Publicidade.

Já quis morrer.

Descobri que dinheiro vem antes de satisfação pessoal.

Resolvi que faria curso de Direito.

Chorei quando perdi alguém que eu amava. Olhando a lua cheguei à conclusão: “Morrer para que, se a lua é tão bonita?”.

Encontrei a mulher cujas características se encaixam na descrição do que a vidente viu. Ainda não fiz dinheiro. Ainda me entusiasmo com propagandas. Tornei-me um adulto que se empolga como criança.

É... Pensando assim, borboletas não passam de mandruvás com asas, voando por aí, sendo admirados. Corós lindos.

Ah, pisar na macumba foi legal!


Bruno César

7 comentários:

  1. Alguém que conheço postou no face... resolvi olhar... olhei... e ai li... cara vou dizer que leitura não e muito a minha praia- só li pq acho que minha amiga tem bom gosto, então, não faria mal checar! Conclusão: olhei por falta do que fazer e de agora em diante vou sempre dar uma passadinha pois seus textos preencheram o vazio da minha tarde da mesma forma que um x tudo preenche meu estomago qdo to com fome! Bom demais cara!

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  2. Nossa, lindo texto, digno de profissional ! Ahasou! Beijão , www.spiderwebs.tk

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    1. Obrigado, Sabrina! É sempre bom ver que alguém gostou de um texto nosso. Deixa eu ir ali no spiderwebs =)

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  3. Nossa, que texto mais lindo!
    Eu também tomei muito refrigerante baré e já parei para pensar que borboletas não passavam de lagartas com asas, disfarçando a "feiúra".
    Texto gostoso, que vai fluindo e se conclui com suavidade e certa ternura, sem melancolia pelo passado feliz, e com o mesmo brilho nos olhos da infância. O brilho da curiosidade e do prazer de viver, da delícia de sempre ter descobertas! Maravlihoso!!!

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    1. Que bom que gostou! Não há motivos para melancolia quando entendemos que a metamorfose continua, não é? Obrigado pela visita!

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