segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

O VELHO E O PEQUENO NO RIO SERENO

(em memória de meu avô e amigo, Seu Tião Faustino)


(O RIO SERENO)

(O VELHO)

(O PEQUENO)


O velho estava sentado na margem do rio há três semanas.

Olhar fixo na correnteza.

O movimento hipnótico o atraia.

Resolveu ser cauteloso e colocou apenas os pés na água.

Temperatura agradável.

A lama no fundo massageando os pés.

A leveza que há tempos procurava.

O pequeno chamava.

Ao longe, ouvia seu nome e então voltava.

Voltava e se sentava.

Sentava-se olhando a água.



Vezes antes o velho olhou para o rio.

Olhou e voltou para a cabana.

Em certa ocasião, ele resolveu que precisava mergulhar.

Ouviu dizer que lá é permitido ver amigos que estão nas águas,

cujas vozes insistiam em não se calar à noite.

O pequeno pediu que ficasse em terra.

Pelo pequeno, o velho resolveu esperar o rio o chamar.

Aguentou a dor pelo pequeno.

Agora as águas do rio estavam mais belas.

O velho se senta na beira do rio



A fumaça saindo pela chaminé da casinha de madeira.

O almoço está pronto.

O pequeno se vira para o rio o mais próximo que pode e sussurra,

avisando que é hora de se sentar à mesa.

Ele quer voltar para casa.

Olha para o rio.

Ele se senta e olha o rio.

Na hora do jantar, o pequeno sussurra um juramento:

“Em terra não haverá solidão.

Em terra se reunirão os irmãos.

Sono e despertar,

com sentimento de união!”

“Ora, pequeno, é o que tanto rogo!

Não se preocupe, estou voltando!

Prepare o fogo logo.

Pois a fome está me...

Onde está você, pequeno?”

“Aqui!”

“Para onde foram as cores?

Para onde foi ar, que não vem a mim?

De

onde

vieram

as dores?

Necessito beber das águas do rio!”

“O rio leva a um lugar incerto e ao fim.”

O rio leva para um lugar certo e sem fim.

O ritmo intermitente do som das águas,

insistem em chamar a atenção para a história de uma vida.

A vida e o rio.

Ele volta e coloca os pés no rio.

“Para onde foram as dores?”

A dor pertence à terra. Não há dor em nosso rio.

O sol. O céu. O ar tão fino e puro. Os insetos.

A vegetação ao redor. Tudo tão colorido.

“De onde vieram as cores?”

As cores vieram do rio.

Novamente ele se senta.

O velho se senta e olha o rio.




Ao fim do entardecer de mais um dia, o pequeno,

novamente aos sussurros,

lembra o velho de sua importante função como carregador do lampião,

iluminando o caminho para os que seguiam atrás.

“Tu és o novo carregador do lampião, pequeno.

Iluminando a passagem de quem vem à frente.”

“Mas e os perigos do caminho?

E o meu refúgio?”

“Valores que criamos.

O único refúgio é o rio.”

“O único refúgio é o rio...”

O pequeno percebeu que era preciso libertá-lo.

Ele quer o rio, mas se preocupa com o pequeno.

Ele tenta voltar e novamente aguentar a dor.

“Não tenho mais medo!

Você tem?”

“Sim, eu tenho medo!

Todavia, não se preocupe mais.

Você cumpriu muito bem a sua missão.

Pelo senhor eu tenho forças para segurar o lampião!”

É hora de aceitar o rio.

Mesmo àquela distância era possível entender.

“Lá está o sentido das coisas.”

O pequeno respirou fundo e sussurrou:

“Talvez seja hora de aceitar o rio.”

O velho olhou para trás uma última vez:

“Hora de aceitar o rio.”




No rio¸ amigos e família o saúdam.

Tudo o que o velho desejou.

“Estou com aqueles que me amam.”

A fartura de benevolência que tanto esperou.

“Com licença...”

“Venha! Entre!

Seja bem-vindo às minhas águas.”

Cadeira vazia.

“Estou com você, pequeno!

E estarei com você no rio sereno.”

O pequeno ouve o sussurro e sorri:

“Estarei com o senhor no rio sereno.”



BC Maoli

sábado, 14 de janeiro de 2012

PRA LONGE DE TUDO


Sentei-me em um lugar mais isolado, mas eu sei que eles querem conversar comigo. Daqui posso vê-los despejando entreolhares em minha direção enquanto concluem sua conversa de praxe para o momento. Penso em me levantar e simplesmente sair andando, mas sou adulto e, como tal, tenho obrigações sociais. Obrigações sociais: coisas que você tem que fazer para agradar a quem não se importa com você. A conversa que eles sentem que precisam ter comigo também é uma obrigação social. É aí que eu fecho os olhos. Fecho apertando bem forte e então respiro o mais fundo possível. Aperto tanto os olhos que começo a ver pequenos pontos de luz que aos poucos vão formando imagens. Geralmente é nesse momento que eu vejo uma espécie de túnel. Túnel não, acho que o nome é vórtice. Sinto-me como num sonho onde eu me liberto e as regras da física não se aplicam. O aqui não é mais aqui e o agora não é mais agora. Então eu vou para bem longe. Vou pra longe de tudo. E eu não sinto mais coisa alguma, nem boa nem má.

Abro os olhos e eles já estão ao meu lado. Eu os vejo, mas não os enxergo. Não assimilo seus rostos. Não guardo informações desnecessárias. Eles falam comigo como previsto. Pelos olhares lânguidos, é a tal fala social que tanto quis evitar. Posso ouvir os sons que saem de suas bocas, mas não consigo entender o que dizem. Longe de tudo, onde estou, não sou capaz de decodificar as palavras. Pela obrigação social, eu procuro olhar em seus olhos. Olhar nos olhos é o básico para que o interlocutor se sinta importante. Pela obrigação social, eu respondo algo genérico, com um tom especial baseado no que imagino que estejam falando. Acho que balanço a cabeça e digo algo como “é verdade... desse jeito...”. Satisfeitos, um deles coloca a mão em meu ombro e se levanta¸ levando quem o acompanhava consigo e, graças a Deus, estou sozinho novamente.

Longe de tudo, eu o procuro. “Achei!”. Focalizo e me aproximo de onde ele está. Toco em sua cabeça e trago-o aqui onde não há mais ninguém além de nós dois. Ninguém para se excitar ouvindo-me me despedir. Até mesmo um tolo imaturo e egoísta, como eu, sabe a hora de deixar ir. “Obrigado!”. A gratidão mais pura. Saio de meu refúgio mental para devolvê-lo ao mundo. A jornada individual se torna ainda mais solitária. O vazio que carrego em segredo se expande. Fecho os olhos e me jogo novamente no vórtice.

É tão tranqüilo... Talvez um dia eu possa ficar aqui para sempre para que minha alma cansada também possa, finalmente, encontrar a paz.


Bruno