(em memória de meu avô e amigo, Seu Tião Faustino)
(O RIO SERENO)
(O VELHO)
(O PEQUENO)
O velho estava sentado na margem do rio há três semanas.
Olhar fixo na correnteza.
O movimento hipnótico o atraia.
Resolveu ser cauteloso e colocou apenas os pés na água.
Temperatura agradável.
A lama no fundo massageando os pés.
A leveza que há tempos procurava.
O pequeno chamava.
Ao longe, ouvia seu nome e então voltava.
Voltava e se sentava.
Sentava-se olhando a água.
Vezes antes o velho olhou para o rio.
Olhou e voltou para a cabana.
Em certa ocasião, ele resolveu que precisava mergulhar.
Ouviu dizer que lá é permitido ver amigos que estão nas águas,
cujas vozes insistiam em não se calar à noite.
O pequeno pediu que ficasse em terra.
Pelo pequeno, o velho resolveu esperar o rio o chamar.
Aguentou a dor pelo pequeno.
Agora as águas do rio estavam mais belas.
O velho se senta na beira do rio
A fumaça saindo pela chaminé da casinha de madeira.
O almoço está pronto.
O pequeno se vira para o rio o mais próximo que pode e sussurra,
avisando que é hora de se sentar à mesa.
Ele quer voltar para casa.
Olha para o rio.
Ele se senta e olha o rio.
Na hora do jantar, o pequeno sussurra um juramento:
“Em terra não haverá solidão.
Em terra se reunirão os irmãos.
Sono e despertar,
com sentimento de união!”
“Ora, pequeno, é o que tanto rogo!
Não se preocupe, estou voltando!
Prepare o fogo logo.
Pois a fome está me...
Onde está você, pequeno?”
“Aqui!”
“Para onde foram as cores?
Para onde foi ar, que não vem a mim?
De
onde
vieram
as dores?
Necessito beber das águas do rio!”
“O rio leva a um lugar incerto e ao fim.”
O rio leva para um lugar certo e sem fim.
O ritmo intermitente do som das águas,
insistem em chamar a atenção para a história de uma vida.
A vida e o rio.
Ele volta e coloca os pés no rio.
“Para onde foram as dores?”
A dor pertence à terra. Não há dor em nosso rio.
O sol. O céu. O ar tão fino e puro. Os insetos.
A vegetação ao redor. Tudo tão colorido.
“De onde vieram as cores?”
As cores vieram do rio.
Novamente ele se senta.
O velho se senta e olha o rio.
Ao fim do entardecer de mais um dia, o pequeno,
novamente aos sussurros,
lembra o velho de sua importante função como carregador do lampião,
iluminando o caminho para os que seguiam atrás.
“Tu és o novo carregador do lampião, pequeno.
Iluminando a passagem de quem vem à frente.”
“Mas e os perigos do caminho?
E o meu refúgio?”
“Valores que criamos.
O único refúgio é o rio.”
“O único refúgio é o rio...”
O pequeno percebeu que era preciso libertá-lo.
Ele quer o rio, mas se preocupa com o pequeno.
Ele tenta voltar e novamente aguentar a dor.
“Não tenho mais medo!
Você tem?”
“Sim, eu tenho medo!
Todavia, não se preocupe mais.
Você cumpriu muito bem a sua missão.
Pelo senhor eu tenho forças para segurar o lampião!”
É hora de aceitar o rio.
Mesmo àquela distância era possível entender.
“Lá está o sentido das coisas.”
O pequeno respirou fundo e sussurrou:
“Talvez seja hora de aceitar o rio.”
O velho olhou para trás uma última vez:
“Hora de aceitar o rio.”
No rio¸ amigos e família o saúdam.
Tudo o que o velho desejou.
“Estou com aqueles que me amam.”
A fartura de benevolência que tanto esperou.
“Com licença...”
“Venha! Entre!
Seja bem-vindo às minhas águas.”
Cadeira vazia.
“Estou com você, pequeno!
E estarei com você no rio sereno.”
O pequeno ouve o sussurro e sorri:
“Estarei com o senhor no rio sereno.”
BC Maoli
Texto muito forte... e profundo,talvez da profundidade do rio que o tomou.
ResponderExcluirA missão de carregar o lampião é pesada, dói muito no início (de onde vem essa responsabilidade toda? cadê meu guia?), mas o menino vai se sair bem. Tem pulso firme e é um excelente líder.
Abraços!
Lindo texto.Fez-me recordar de Guimarães Rosa em "A terceira margem do rio".Tão profundo quanto!
ResponderExcluirParabéns,sempre me deleito com seus belíssimos textos!
Bjs..Zilda Mara
Cachola Literária
E antes que a sua estrada chegasse ao fim, o pequeno descobriu que tinha um coração...com a força de um gigante, para seguir na caminhada até estar junto com o velho no rio sereno!Os melhores escritos são aqueles em que falamos sobre as pessoas que amamos...O que dizer desse texto?Simplesmente LINDOOOO!!!Relendo pela milésima vez e emocionada...
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