Amados,
Hoje é dia de finados.
Alguns de vocês já celebraram esse dia, mas é o primeiro de dois
de meus entes queridos que estão aí também.
Interessante o nome
finados. Dia de terminados? Dia de concluídos? Se nós acreditarmos que existe
algo além do final, o nome pode ser outro? Não gosto de fim. Não gosto da ideia
de vocês serem finados. Talvez aceite a visão romântica de missão concluída;
que o caminho nesse plano foi finado. Mas vocês não.
Ainda não sei lidar com
o conceito de morte. Não a aceito. Nego-a com veemência. Imagino vocês comigo a
ponto de sentir suas presenças e até mesmo suas vozes. Não os ouço, nem os vejo.
Não estou louco a esse ponto, nem sou médium. Não quero ser. Eu os sinto. Não,
eu não me tornei espírita. Acredito que isso se dá mais pela minha relutância
em aceitar rótulos do que por falta de crença.
Dizem que preciso
aceitar que vocês se foram para que eu possa seguir em frente. Aceito que seus corpos foram gastos
e não serviam mais para vocês, e que vocês continuam a vida de um jeito que não
compreendo muito bem.
Como sabem, algumas
coisas não mudaram. Ainda entro em casa e olho para um porta-retratos com uma
fotografia tirada há quinze anos e digo: “Bença, vó!”. Juro que me sinto
abençoado. Quando estou em um momento de dúvida, me sento na mesma cadeira em
que eu passei várias manhãs de sábado ouvindo histórias de meu avô, os “causos”
repetidos que tanto gostava de ouvir, e pergunto: “E então, vô? O que eu faço
agora?”, e em poucos minutos me sinto seguro e decidido com o conselho que
sinto receber. Como eu disse, não os ouço, mas os sinto. São ideias que surgem
do nada. Segurança e firmeza vindas de não sei onde.
Todos aqui em casa
estão bem. Estou ajudando na reforma. Vocês vão ver como nossa casinha vai ficar
bonita. Eu contei que comprei um lote? É grande o bastante para ter um quintal
e isso é o mais importante pra mim, como devem se lembrar. Ah, eu saí do
cartório onde eu trabalhava. Sinto falta daquela época, do ambiente, dos
colegas, mas fui muito bem recebido no outro cartório onde estou agora. É bem
agradável lá. Estranhei um pouco no começo, mas estou gostando. Os novos
colegas são bem legais também.
No mais, a gente vai
tocando a vida do jeito que sabe e aguenta.
Sinto falta da presença
física de vocês. Das peles, dos pelos, dos cheiros, das vozes, das obrigações,
do horário de dar remédio, de preparar a comida, do dia certo de fazer compras,
da necessidade de atenção. Sinto falta da falta de liberdade, por ter sempre
que deixar de ir para algum lugar que eu queria, para fazer algo para
agradá-los. Mas sinto a presença de vocês e isso ameniza o vazio que me corroi
por dentro e faz eu me sentir quase feliz.
Eu queria aproveitar esta
carta pra agradecer. Vocês, juntos, ajudaram a moldar meu caráter, meus
valores, minha postura diante dos problemas e dos prazeres da vida. Me
ensinaram a valorizar a beleza da simplicidade. Sabiam que eu mantive velhos
hábitos e manias de vocês? Estou aprendendo a cultivar uma horta bem ali no
quintal. Não está muito produtiva ainda não, mas estou me esforçando. Estou aprendendo
a afinar o violão e me arrisquei até a preparar um doce para surpreender com uma
sobremesa típica da vozinha.
Dizem que, se os
chamamos com frequência, vocês não descansam aí onde estão morando agora. Que
tem seus afazeres e que eu não os deixo sossegar. Deixarei-os em paz, no sentido
de não mais agir como menino mimado pedindo atenção o tempo todo, mas não os quero
longe de mim. Já que nos amamos e vocês estão comigo quando preciso, desde já
convido para que venham sempre prosear.
Bem, eu contei como
estou, agora é a vez de vocês. Venham, sentem-se ao meu lado e
me contem como estão. Hoje é dia de vocês. Hoje é dia de ouvir “causos”. Hoje é
dia de confraternizar com a família completa. Com todos os amados, estejam em
um corpo carnal ou não.
Minha mãe mandou um
abraço bem apertado a todos vocês e um cafuné na Gabi e na Laika.
Aguardo a próxima visita.
Até lá!
Fiquem com Deus.
Com amor,
Becê
Oi Bruno
ResponderExcluirQuanto tempo! Fico feliz que tenha voltado a escrever, vc escreve muito bem! Que texto maravilhoso e espontâneo. Gostei muito.
Bjão. Fique com Deus!
Oi. Lu! Mto obrigado! Pois é... voltei! Obrigado pela visita e pelo comentário!
ResponderExcluirBjo e fica com Deus tb!
É legal como voce escreve..realmente como se o fizesse para outra pessoa. Pensar em finados é triste mesmo, é pensar em um fim para alguem..quando, na verdade, ela permanece em nossas lembranças e coração.
ResponderExcluirBeijos.
Muito obrigado, Lu Rosário! Realmente guardamos para sempre no coração.
ResponderExcluirbeijos
Aaaah... muito obrigada, Maoli!
ResponderExcluirBeijos e beijos!
Muito obrigado pela visita e pelo comentário, Antonio! Não consegui localizar seu blog. Por favor, deixe o link aqui para que eu possa visitá-lo.
ResponderExcluirAbraço!
Maoli,
ResponderExcluirResumo o texto "At.: Aos meus queridos mortos" em uma palavra... Emocionante!
Igual a esse, só o do menino e do rio!
Fantástico!
Por ter como temática o dia dos finados, estava com uma expectativa meio triste, mas me surpreendi!
Você lembrou dos seus entes queridos com muito carinho!